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Meus amigos,
Quero
pedir licença para apresentar um breve epigrama para servir de
suporte às minhas palavras. Conta o autor do Gênio do
Cristianismo que certa vez três divindades resolveram descer do
Olimpo e peregrinar pelo mundo. Eram elas a Glória, a Fortuna e
a Amizade. Decidiram registrar o nome de quem lhes oferecesse
acolhida. Muniu-se, então , a Glória de uma tabuinha de mármore;
a Fortuna de uma tabuínha de cera; muniu-se a Amizade de um
livro branco. Um dia chegaram em minha porta e tive oportunidade
de oferecer o meu modesto abrigo às três divindades olímpicas.
No dia seguinte, ao saírem, notei que a Glória não conseguira
gravar o meu nome no duro e refratário mármore; a Fortuna
havia gravado na tábua de cera, mas a cera fundiu e logo
apagou-se. Somente a Amizade gravou o meu nome no seu livro
branco com tinta indelével. Isto mostra o nada que me aprouve a
glória, o pouco que me aprouve a Fortuna e o muito que me
aprouve a amizade, perpetuando o meu nome no seu livro branco.
Não necessita sábios intérpretes para entender que o livro
branco a que eu me refiro é representado pelo distinto grupo
que compartilhou a vida no lar EPCar lá nos idos de 45 anos atrás.
Quero simbolizar nesse livro branco o traço que nos agrega. Quão
afortunados fomos! Nem mesmo, algum de nós suspeitava que estávamos
naquele período participando de uma usina de amizade. Esta
Escola, além de produzir o saber nos alunos, produz a unidade.
A nobre unidade pela amizade. No tempo que aqui convivemos fomos
transformados de um grupo de estranhos
numa formidável família. Definitivamente, família.
Muito se tem falado e tentado interpretar o porquê do fascínio
de BQ. Qualquer um de nós pertenceu, ao longo da vida, a outros
grupos e tudo indica que nada se compara
à união que aqui experimentamos. A amizade tem seus
segredos. A amizade nasce e cresce em condições favoráveis de
espaço e tempo. Imagino que a nossa Escola, aqui em Barbacena,
entre montanhas e céu de anil, bem no centro do Brasil,
combinada com os hormônios efervescentes da nossa adolescência,
criaram o ambiente e o momento propícios para a criação dessa
vinculação humana. Porém, muito mais do que entender ou
explicar a origem de um bem, o que nos convém é o usufruto do
mesmo.
Também fazemos muitas perguntas sobre a natureza da amizade.
Desde a mais tenra infância sentimos orgulho em adotarmos
amigos. Os poetas fazem uso abusivo do tema. Profissionais do
relacionamento humano desenvolvem teses sobre a amizade. É
intrigante, admitamos, esse dom tão importante que irmana os
homens. É o requisito essencial da paz na terra. É um traço tão
inerente e fascinante da criatura que de tão humano se faz
divino. É nesse mistério da amizade
que, pessoalmente, quero admitir que reside a prova de
que o homem foi realmente criado à imagem e semelhança de
Deus. Porém, muito mais do que entender ou explicar a natureza
de um bem, o que nos convém é o usufruto do mesmo.
Quero
convidá-los agora para
uma experiência de imaginação. Seja focalizado o dia em que
pela primeira vez nos concentramos no recinto desta Escola. Faz
muito tempo. Faz 45 anos. Aqui viemos por dever. Chegamos numa
madrugada fria e estávamos, no geral, ansiosos e meio
assustados, perante o totalmente novo.
A seguir, contemplemos o dia de hoje, a presente concentração.
Aqui viemos espontaneamente e por puro prazer. Hoje somos
maduros, serenos e conhecemos melhor a vida.
Observem
que estamos considerando dois pontos no tempo duas datas -
e um ponto no espaço aqui onde estamos, a nossa
veneranda EPCAr. Há nada de especial nesse quadro, a não ser
quando imaginamos que nesse decurso de tempo, cada um de nós
passou por transformações substanciais. Foi nesse período
longo e importante que nos construímos nos vários sentidos.
Quanta coisa rica e fascinante existe no filme da vida de cada
um,
durante esses
longos anos, para ser aqui compartilhada.
É
uma felicidade e um privilégio estarmos aqui, solidários na
alegria.
Neste
ponto já todos vamos percebendo e confirmando a resposta da
pergunta: por que estamos
aqui? Viemos para confraternizar porque temos laços fraternos,
laços de irmãos. Somos unidos pelo apreço e pela amizade que
representa um patrimônio comum. Precioso patrimônio! Que muito
se comunique, com palavras, com abraços e com sorrisos, nesta
experiência intensa de conviver. Tudo o que eu desejo é que
seja este encontro uma experiência de vida rica e marcante. Que
o efeito de contentamento permaneça em cada um de nós, como o
perfume de uma flor que junto plantamos, como os acordes de um
hino que todos ajudaram a compor.
Antes de colocar o ponto final nas minhas palavras, eu gostaria
de ressaltar que a etiqueta e o coração nos mandam agradecer
toda vez que recebemos alguma coisa de graça. Assim eu quero
ser sempre grato a quem, ao longo desses 45 anos, de alguma
forma me dispensou apreço e consideração. Quero,
especialmente, destacar, reconhecer
e agradecer a todos que contribuíram, de qualquer maneira, para
a realização dos nossos encontros deste e dos anteriores
-, tendo em mente que um evento desse tipo representa um
presente para todos e para
cada um de nós. Pessoalmente, devo confessar que muito devo à
equipe da era Limão, de quem recebi o primeiro
convite para um encontro da turma. Foi aí que reconheci
o grande benefício de retornar ao convívio dos amigos
bequeanos. Foi então, que senti a possibilidade de restaurar a
juventude nesses reencontros. Já não temo mais o tempo tirano
a me impingir idade, que a idade mudou de nome, idade agora se
chama juventude acumulada. Por
isso quero expressar, em público, a minha gratidão a
todos os trabalhadores de bastidores, especialmente ao Mário
José de Santana Filho e
a sua equipe da época pelo bom efeito que particularmente me
fez essa reintegração. O primeiro convite a gente nunca
esquece!...
Eu gostaria ainda de mencionar o nome de alguém que teve
participação na vida da nossa turma, que nos influenciou
positivamente e que nos fez bem.
Imaginemos uma pessoa competente,
de caráter íntegro, de personalidade forte, bom cidadão,
bom chefe de família, bom milico, bom de vôo, bom de papo, com
alto grau de discernimento, com acurado senso de justiça, leal
no relacionamento com os amigos, comandante enérgico, mas
dotado de um coração terno e
superlativo no dom de vibrar com vida. Assim eu vejo, e
acho que não estou só, a imagem deixada pelo Berthier
Figueiredo Prates, que comandou o Corpo de Alunos durante o
ano de 1961. Sabemos que o Berthier deixou a vida
prematuramente, numa condição de mártir da nossa aviação.
Acho que haveria justiça se hoje conferíssemos o título póstumo
de Amigo da Turma de 60 ao nosso saudoso comandante. Aqui tomo a
liberdade apenas de dizer: amigo Berthier, onde quer que você
esteja, receba desta turma uma continência emocionada, levando
a você a nossa admiração, o nosso respeito e a nossa gratidão,
pelas lições que você legou para as nossa vidas.
E para finalizar eu quero me dirigir a cada um dos meus amigos,
que aqui se trouxe para compor esta festa, nesta casa, neste
dia, e dar um grito de parabéns. Parabéns, amigo, porque você
acertou na sua decisão, vindo prestigiar este
alegre e vibrante encontro, comprovando que o seu nome
está gravado no livro branco da Amizade. E está gravado para
sempre.
Muito
obrigado.
Argenor
Fernandes (12/03/2005)
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